O aparecimento do Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) aumentou significativamente nos últimos anos e tornou-se uma preocupação de saúde pública em todo o mundo. Os estudos sugerem que a alta incidência não pode ser simplesmente explicada por fatores genéticos e predisposição, e que fatores ambientais desempenham um papel importante. Dentre esses fatores ambientais associados ao desenvolvimento do DM1, a microbiota intestinal vêm recebendo destaque.
No nosso post blog anterior explicamos sobre o impacto da microbiota intestinal em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 2. Para ler clique aqui.
E depois dessa publicação, surgiu a dúvida nos nossos leitores se a microbiota intestinal também não teria impacto no diabetes tipo 1. Então, este é um blog complementar para explicar essa relação e esclarecer as possíveis dúvidas dessa associação.
Vamos relembrar o que é o Diabetes Mellitus tipo 1
É o tipo menos prevalente (5-10%) de diabetes, no entanto, as taxas de incidência vêm aumentando em todo o mundo. Caracteriza-se pela destruição das células beta que pode levar à deficiência absoluta de insulina.
Para entender melhor sobre a importância da insulina, leia antes o post blog O impacto das bactérias intestinais em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 2.
O Diabetes tipo 1 geralmente é mediado por mecanismos imunológicos, sendo considerado uma doença autoimune.
Acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens, mas pode surgir em qualquer idade. Os indivíduos diagnosticados com este tipo de diabetes, normalmente tornam-se dependentes de fármacos para sobreviver.
A interação entre a microbiota intestinal e o sistema imunológico tem sido implicado como um fator importante na patogênese do DM1. Pacientes com DM1 têm uma microbiota intestinal menos diversificada, um perfil metabólico diferente quando comparado com controles saudáveis e uma prevalência aumentada de bactérias do filo Bacteriodetes, como os do gênero Bacteroides. No entanto, os estudos disponíveis ou chegaram a conclusões diferentes ou não encontraram correlação entre a abundância dessas bactérias e o desenvolvimento do DM1.
Fatores como tipo de parto, dieta no início da vida e o uso de antibióticos pode influenciar a composição da microbiota intestinal e pode levar a uma menor diversidade bacteriana, diminuição da produção de ácidos graxos de cadeia curta, os AGCC, que são moléculas de extrema importância para a nossa saúde, e que são produzidos pela nossa microbiota intestinal a partir da fermentação de componentes presentes em nossa dieta; e aumento da permeabilidade intestinal, potencialmente contribuindo para o aparecimento do DM1.
Em um estudo norueguês de 2015 foi investigado a associação entre a duração da amamentação e idade da criança na introdução de alimentos sólidos, com o risco de desenvolvimento do DM1 em crianças geneticamente suscetíveis. Os autores relataram que qualquer frequência de amamentação por 12 meses ou mais foi correlacionada com uma progressão mais lenta, e uma diminuição geral, na incidência de DM1. No entanto, nem a idade da introdução dos alimentos sólidos nem se os bebês estavam sendo amamentados no período dessa introdução, teve algum efeito sobre a autoimunidade e/ou progressão do DM1. Esses resultados indicam que a amamentação sozinha tem um impacto significativo na progressão/início do DM1.
É importante destacar que as bactérias lácticas, como os gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus, que são capazes de quebrar os oligossacarídeos do leite humano, são transferidos de mãe para filho, através do parto e da amamentação. Esses gêneros são conhecidos por manter a barreira intestinal, estimular a produção de anticorpos e estão envolvidos na produção de AGCC.
Microbiota e doenças autoimunes
Conforme explicamos, o DM1 geralmente é mediado por mecanismos imunológicos, sendo considerado uma doença autoimune.
Nos últimos anos, vários estudos têm destacado o papel do microbioma na patogênese de doenças autoimunes. Ligações entre o tipo de parto e um risco aumentado de obesidade, asma, alergias e doenças autoimunes têm sido relatadas. As evidências sugerem que o parto cesárea tem um profundo impacto na composição e sucessão da microbiota.
Leia também Perturbações no microbioma intestinal na infância e a relação com as alergias alimentares.
A colonização microbiana precoce, e adequada, desempenha um papel importante no desenvolvimento tanto do sistema imune inato, que são as células da nossa imunidade que protegem nosso corpo de uma forma não específica, quanto do sistema imune adaptativo, que é o conjunto de células que agem de forma mais específica, possibilitando a memória imunológica, as quais desenvolvemos a medida que somos expostos a novos antígenos.
A possível explicação para o parto cesárea aumentar o desenvolvimento de doenças autoimunes é que ao não passar pelo canal vaginal no parto, onde a colonização pela microbiota materna normalmente ocorreria, o bebê nasce por meio de uma superfície estéril, atrasando o desenvolvimento da microbiota intestinal ou sendo colonizado por um perfil microbiano natural da pele, e não o do canal vaginal.
Assim, pode ter efeitos a longo prazo na função imunológica e pode aumentar o risco de uma criança desenvolver uma doença autoimune, como DM1.
No geral, os resultados atuais indicam que níveis mais altos de diversidade, juntamente com a presença de microrganismos benéficos e os metabólitos produzidos por eles podem atuar como protetores contra o aparecimento do DM1, e a modulação da microbiota intestinal pode servir como um potencial terapêutico para esses pacientes.
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Fontes:
AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, Diagnosis and classification of diabetes mellitus, 2013. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3537273/
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