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O impacto das bactérias intestinais em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 2

Os estudos científicos sugerem que a microbiota intestinal em desequilíbrio pode estar associada ao desenvolvimento de distúrbios metabólicos, como obesidade e diabetes.



Alterações no microbioma podem levar a um aumento de lipopolissacarídeos (LPS - moléculas que se encontram na membrana externa de alguns tipos de bactérias). Quando elevados níveis dessas moléculas atravessam a barreira intestinal e ganham a corrente sanguínea, devido a uma diminuição da permeabilidade do intestino (decorrente da própria disbiose dos microrganismos desse ecossistema), os macrófragos (células do nosso sistema imunológico) são ativados, desencadeando uma resposta inflamatória chamada endotoxemia metabólica, que pode levar ao desenvolvimento de resistência à insulina e acúmulo de gordura. A resistência à insulina aumenta a predisposição do indivíduo a desenvolver diabetes.


Neste blog vamos abordar sobre o papel da microbiota intestinal no desenvolvimento do Diabetes Mellitus tipo 2.




Entendendo o Diabetes Mellitus


O pâncreas é o órgão responsável pela produção e secreção da insulina, mais especificamente nas células β (beta), que são células endócrinas presentes nas ilhotas de Langerhans. A insulina é um hormônio de extrema importância pois regula os níveis de glicose no sangue.


Diabetes Mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção da insulina, ação da insulina ou ambos. A hiperglicemia crônica do diabetes é associada a danos a longo prazo, disfunção e falência de diferentes órgãos, especialmente os olhos, rins, nervos, coração, vasos sanguíneos, e amputação de membros inferiores.

O Diabetes Mellitus é classificado em:


Diabetes tipo 1:

Tipo menos prevalente (5-10%), no entanto, as taxas de incidência vem aumentando em todo o mundo. Caracteriza-se pela destruição das células beta que pode levar à deficiência absoluta de insulina. Geralmente é mediado por mecanismos imunológicos, sendo considerado uma doença autoimune. Acomete principalmente crianças, adolescentes e adultos jovens, mas pode surgir em qualquer idade. Os indivíduos diagnosticados com este tipo, normalmente tornam-se dependentes de fármacos para sobreviver. Possui múltiplas predisposições genéticas e também está relacionado a fatores ambientais, mas que ainda estão mal definidos.


Diabetes tipo 2:

É o tipo mais prevalente (90-95%). Este tipo é uma combinação de resistência à ação da insulina e uma resposta secretora de insulina compensatória inadequada. Está frequentemente associado a outros problemas, como a síndrome metabólica. O risco de desenvolver diabetes tipo 2 aumenta com a idade, obesidade e falta de atividade física. Em alguns indivíduos, o controle dos níveis glicêmicos pode ser alcançado com redução de peso, exercício e/ou redução da ingestão de alimentos ricos em glicose. Portanto, alguns indivíduos (mas não todos) não necessitam de tratamentos farmacológicos, e sim, de mudanças no estilo de vida.


Além dessas duas classificações, existem outros tipos específicos de diabetes, como o diabetes gestacional, mas nesse blog iremos abordar somente sobre o impacto da microbiota intestinal no Diabetes Mellitus tipo 2.


*Para entender mais sobre o diagnóstico e ver a classificação completa do Diabetes Mellitus acesse o artigo “Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus



Microbiota e Diabetes Mellitus tipo 2


A microbiota interage com os constituintes da dieta, afeta a permeabilidade intestinal, o metabolismo da glicose e dos lipídios, a sensibilidade à insulina e a homeostase energética geral no hospedeiro. Uma variedade de estudos tem demonstrado uma associação significativa entre alterações na composição (disbiose) da microbiota intestinal e o desenvolvimento de DM2.


Entenda mais sobre a disbiose no blog “O que é a disbiose intestinal?”.


A disbiose prejudica a integridade da parede intestinal e permite a translocação de toxinas do lúmen intestinal para a circulação sistêmica. Esta endotoxemia leva a inflamação de baixo grau, autoimunidade e estresse oxidativo que podem levar à destruição de células beta ou a resistência à insulina. Portanto, metabólitos e componentes bacterianos da microbiota intestinal afetam a iniciação e progressão do DM2 por regulação da inflamação, imunidade e alterações no metabolismo.


Uma revisão de 42 estudos relatou que as alterações mais consistentes na microbiota de indivíduos com diabetes tipo 2 são a redução na proporção dos gêneros Bifidobacterium, Faecalibacterium, Akkermansia e Roseburia. Pacientes brasileiros com DM2 apresentam alta prevalência das espécies Prevotella copri, Bacteroides vulgatus, Bacteroides rodentium e Bacteroides xylanisolvens.


Duas análises de metagenoma em larga escala, uma realizada na China e outra com mulheres europeias, estudaram as características estruturais da microbiota intestinal em pacientes com DM2 e indivíduos saudáveis. Ambos os estudos encontraram um aumento de Clostridium hathewayi e uma diminuição de bactérias produtoras de butirato, como espécies do gênero Roseburia, em pacientes com DM2, que, de acordo com os autores, podem estar relacionadas com o desenvolvimento da doença.


No geral, a baixa abundância de bactérias anti-inflamatórias, juntamente com o aumento na proporção de bactérias pró-inflamatórios tem sido atribuída ao aparecimento e progressão de complicações do diabetes mellitus tipo 2. Da mesma forma, metabólitos bacterianos demonstraram influenciar a fisiologia do hospedeiro e melhorar o resultado da doença.

No entanto, ao que tudo indica, nenhum único ou pequeno grupo de bactérias pode ser totalmente responsável pela suscetibilidade do diabetes e suas complicações, e embora diversos estudos descrevam as características da microbiota intestinal de indivíduos com diabetes tipo 2, ainda não existe um perfil definido para a doença, pois até o momento os resultados são discrepantes.




Resistência à insulina x Metaboloma x Microbiota Intestinal


A resistência à insulina ocorre quando esse hormônio tem sua ação diminuída, ou seja, o transporte de glicose do sangue para o interior das células não é realizado com eficiência, fazendo com que a glicose se acumule no sangue, podendo originar o diabetes.


O metaboloma sérico (quantidade de metabólitos encontrados no sangue) de indivíduos resistentes à insulina é caracterizado por níveis aumentados de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), que se correlacionam com um microbioma intestinal com potencial biossintético enriquecido para BCAAs e é privado de genes que codificam transportadores bacterianos internos para esses aminoácidos. Prevotella copri e Bacteroides vulgatus são identificadas como as principais espécies que conduzem a associação entre a biossíntese de BCAAs e a resistência à insulina. Os achados na literatura permitem concluir que a disbiose da microbiota intestinal afeta o metaboloma sérico e contribui com a resistência à insulina. Portanto, a microbiota intestinal pode ter um papel importante no pré-diabetes.



Metformina x microbiota intestinal


A Metformina é um antidiabético oral que suprime a rota pela qual é produzida a glicose hepática e melhora a captação periférica de glicose em nível hepático e no músculo esquelético.


Este medicamento é comumente usado para o tratamento do diabetes mellitus tipo 2, e foi sugerido que a medicação altera a composição da microbiota intestinal, aumentando a abundância da espécie Akkermansia muciniphila, quem tem um papel importante na manutenção da barreira intestinal e como produtora de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC - são moléculas de extrema importância para a nossa saúde, e que são produzidos pela nossa microbiota intestinal a partir da fermentação de componentes presentes em nossa dieta). Os achados sugerem que a Metformina interage com a microbiota intestinal auxiliando na modulação da inflamação, na homeostase da glicose e na permeabilidade intestinal. Vale destacar que esses resultados não foram observados em outros medicamentos antidiabéticos já estudados.


Em pacientes com disbiose intestinal associada ao diabetes, a Metformina favorece a produção de butirato e propionato, melhorando a capacidade do paciente de catabolizar aminoácidos. Estas mudanças juntamente com níveis aumentados de Akkermansia no intestino podem contribuir para os efeitos da Metformina no metabolismo da glicose.


A tolerância ou intolerância à metformina de um indivíduo parece ser influenciada por seu microbioma. Uma análise do metaboloma de adultos dinamarqueses permitiu concluir que a metformina exerce maior capacidade de induzir a produção de AGCC, enquanto nos indivíduos não tratados houve aumento em genes microbianos implicados na degradação de glicina e triptofano. Isso é de especial interesse, uma vez que a glicina tem sido associada com a sensibilidade à insulina, e a suplementação de glicina já foi relatada em melhorar essa sensibilidade no DM2.



A modulação da microbiota pode auxiliar no tratamento do diabetes?


Apesar da variedade de tratamentos atualmente disponíveis, casos de diabetes e complicações resultantes da doença estão em ascensão. Uma nova abordagem promissora para o diabetes concentra-se na modulação da microbiota intestinal com probióticos, prebióticos, simbióticos e transplante de microbiota fecal, e até mesmo com antibióticos direcionados para bactérias com perfil pró-inflamatório.


Algumas bactérias demonstraram exercer um papel protetor, diminuindo o risco de desenvolvimento de diabetes através da redução de marcadores pró-inflamatórios e manutenção da integridade da barreira intestinal. Por exemplo, Lactobacillus fermentum, L. plantarum e L. casei, Roseburia intestinalis, Akkermansia muciniphila e Bacteroides fragilis demonstraram melhorar o metabolismo da glicose e a sensibilidade à insulina, e suprimiram citocinas pró-inflamatórias. Sintomas de pacientes diabéticos podem ser melhorados modificando a microbiota intestinal, que ajuda a reverter a tolerância diminuída à glicose e glicemia de jejum no pré-diabetes.


No geral, os resultados atuais indicam que níveis mais elevados de diversidade bacteriana, juntamente com a presença de bactérias benéficas e os metabólitos produzidos por essas bactérias, podem atuar como protetores contra o aparecimento ou progressão da doença.

Essa relação entre a microbiota intestinal e o diabetes dá suporte ao conceito de que a modulação da microbiota intestinal pode ser uma estratégia promissora no manejo do diabetes e complicações associadas. Alvos microbianos podem ter o potencial de diminuir a resistência à insulina e reduzir a incidência de distúrbios metabólicos e cardiovasculares comuns associados a esse distúrbio. Portanto, conhecer a composição da microbiota de pacientes com diabetes mellitus tipo 2 pode representar um avanço no tratamento desse paciente.


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Fontes:


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