Pesquisa aponta indícios de que a restrição a alimentos ultraprocessados influencia positivamente a microbiota intestinal.

Por Bianca Teixeira
Bióloga, Doutora em Ciências e Head de Projetos na BiomeHub.

Por Marina Veiga da Silva Amorim
Bióloga, Mestre em Neurociências e Auxiliar em Gestão de Projetos e Clientes na BiomeHub.
Neste postblog será abordado:

Alimentos ultraprocessados
Atualmente, nossa alimentação está repleta de alimentos ultraprocessados (AUP), produtos industrializados, resultantes de múltiplos processos, que contêm, em sua maioria, aditivos, corantes e conservantes. Essas formulações são compostas, principalmente, por ingredientes refinados e têm como objetivo apresentar uma maior palatabilidade e durabilidade. Frequentemente, apresentam altos níveis de açúcar, gordura e sal, mas, no entanto, carecem de vitaminas e fibras, elementos essenciais para a saúde. Dentre os produtos incluídos nessa categoria estão refrigerantes, salgadinhos, biscoitos, pães industrializados, fast food e pratos prontos, entre outros.
Os AUP, frequentemente consumidos por sua praticidade, têm sido cada vez mais estudados quanto aos seus impactos na saúde, incluindo, mais recentemente, sua influência na microbiota intestinal. Estudos apontam que dietas ricas em AUP estão associadas a um menor equilíbrio da microbiota, podendo contribuir para processos inflamatórios e distúrbios metabólicos. Além disso, o consumo excessivo de AUP está diretamente relacionado ao aumento da obesidade.
Panorama da obesidade no Brasil e no mundo
Dados recentes indicam que a obesidade é uma preocupação crescente tanto no Brasil quanto no mundo. No Brasil, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), do Ministério da Saúde, indica que a obesidade em adultos cresceu de 11,8% em 2006 para 24,3% em 2023. Globalmente, o problema também é alarmante: mais de um bilhão de pessoas vivem com obesidade, o que representa uma em cada oito pessoas no mundo.
O aumento desses índices ressalta a necessidade de abordagens inovadoras para o controle da obesidade, incluindo estratégias baseadas no conhecimento sobre a microbiota intestinal, visto que estudos sugerem que o microbioma intestinal pode influenciar na absorção de nutrientes e no metabolismo energético dos indivíduos. Assim, estudar e avaliar o microbioma intestinal pode ser considerado um componente essencial para estratégias nutricionais personalizadas.
Para entender melhor a relação entre obesidade e alimentos ultraprocessados, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em parceria com a BiomeHub, conduziram uma pesquisa científica para avaliar o impacto da redução do consumo de ultraprocessados na microbiota intestinal de indivíduos com obesidade. O estudo, coordenado pelo professor Dr. Nassib Bezerra Bueno*, com a participação da mestranda Ana Débora Oliveira**, teve como objetivo comparar os efeitos de uma restrição energética específica de alimentos ultraprocessados (AUP) com os de uma restrição energética convencional, em indivíduos com obesidade.
A hipótese do estudo era que a restrição energética específica de AUP melhoraria a composição da microbiota intestinal de indivíduos com obesidade em comparação com dietas de restrição energética convencional. Essa pesquisa busca aprofundar a compreensão sobre como a alimentação influencia a microbiota intestinal e, consequentemente, o controle da obesidade.
Metodologia do estudo
O ensaio clínico aleatório teve duração de seis meses e envolveu 43 indivíduos adultos (19-60 anos), de ambos os sexos, com obesidade, e que desejavam perder peso, mas que estavam com o peso estável há pelo menos um mês no momento da inclusão no estudo. O estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), além de receber bolsas de estudo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).
Os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos:
Grupo de intervenção: dieta com restrição energética específica para alimentos ultraprocessados, limitando seu consumo a menos de 5% do total energético diário.
Grupo controle: dieta com restrição energética genérica, sem foco específico na redução de ultraprocessados, priorizando a redução das porções alimentares em geral.
Os participantes receberam o kit de coleta de fezes para realizar a autocoleta e posterior envio à BiomeHub. No laboratório foram realizadas as análises de sequenciamento de amplicons do gene 16S rRNA (região v3/v4) para identificação das bactérias presentes nas amostras.
Após o sequenciamento, foram analisados, entre outros parâmetros, a relação Firmicutes/Bacteroidetes, a riqueza, a diversidade alfa (índices de Shannon, Simpson e Simpson Inverso) e a diversidade beta, utilizando o índice Bray-Curtis. Essas análises permitiram uma avaliação detalhada das mudanças na composição da microbiota ao longo do estudo.
Ambos os grupos foram acompanhados por um período de 6 meses, dedicado à perda de peso. Durante o período de participação na pesquisa, os indivíduos receberam acompanhamento de nutricionistas, que reforçaram as recomendações nutricionais específicas do grupo que foram alocados.
A amostra incluída consistiu em 43 indivíduos, sendo 22 para o grupo controle e 21 para o grupo intervenção. Após 6 meses, houve perdas de acompanhamento (n = 9), dos quais foram analisados dados de 34 indivíduos, sendo 17 para cada um dos grupos.
O estudo e sua relevância
Embora os resultados completos ainda estejam em fase de análise e publicação, os pesquisadores observaram alguns indícios iniciais.
"Conseguimos encontrar indícios de que a restrição de alimentos ultraprocessados parece modificar positivamente aspectos da microbiota intestinal. Especificamente, apesar dos índices de diversidade terem melhorado em ambos os grupos, talvez fruto da reeducação alimentar em geral, o grupo com restrição de alimentos ultraprocessados apresentou aumento significativo na abundância do gênero Faecalibacterium, comumente associado com uma microbiota ‘saudável’. Esses achados reforçam a necessidade de aprofundar estudos nessa temática.” comentou Nassib.
Em um estudo anterior, o professor Nassib observou que refeições ricas em AUP podem acelerar o ritmo de ingestão alimentar e reduzir a sinalização de saciedade, contribuindo para o ganho de peso. Além disso, alimentos ultraprocessados, por serem altamente palatáveis, podem ativar o sistema de recompensa do cérebro e estimular o desejo e consumo, dificultando a regulação do apetite.
Próximos passos da pesquisa
Os pesquisadores destacam que o grupo planeja publicar os resultados do estudo em uma revista científica e expandir as investigações para aprofundar e conhecer melhor sobre essa relação de ultraprocessados, microbiota e saúde metabólica. Além disso, enfatizam que o conhecimento gerado por essa pesquisa pode ajudar no desenvolvimento de diretrizes nutricionais mais eficazes para a prevenção e o tratamento de obesidade.
O estudo reforça que a qualidade da alimentação vai além da contagem de calorias. O impacto dos alimentos na microbiota intestinal pode influenciar diretamente a saúde metabólica e o equilíbrio do organismo. Compreender essa conexão é essencial para criar estratégias nutricionais mais eficazes e baseadas em ciência.
“Esperamos contribuir para a literatura científica ao desenvolver uma pesquisa inédita, com um delineamento robusto, capaz de fornecer evidências experimentais, em detrimento das observacionais, mais claras sobre a relação entre consumo de alimentos ultraprocessados e microbiota intestinal, tema este que é amplamente debatido mas que carece de estudos de intervenção. Além disso, esperamos que os achados deste estudo avancem o tratamento da obesidade, reforçando o papel fundamental da qualidade da dieta na promoção da saúde intestinal e metabólica.” complementa Nassib.
A conversa com os pesquisadores nos mostra a importância de estudos sobre microbioma para a saúde individual e coletiva, principalmente para pesquisas e tratamentos relacionados à obesidade e saúde metabólica:
”A microbiota intestinal desempenha um papel essencial na regulação de processos metabólicos, imunológicos e inflamatórios, além de influenciar a digestão e a absorção de nutrientes. Entender a composição e diversidade da microbiota pode fornecer informações importantes sobre o estado de saúde geral dos indivíduos e auxiliar na identificação de potenciais desequilíbrios, como disbiose. Isso ajudaria a personalizar intervenções nutricionais, permitindo estratégias alimentares mais eficazes e direcionadas.” afirmam os pesquisadores.
E aqui na BiomeHub possuímos infraestrutura laboratorial, equipe técnica especializada e uma rede de instituições de pesquisa e de saúde, que permitem a realização de estudos na área de microbioma e nutrição.
Ficou com alguma dúvida? Nossa equipe está aqui para ajudar! Entre em contato conosco e receba a ajuda que precisa.
*Nassib Bezerra Bueno é nutricionista, Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (2015). Atualmente, é professor Adjunto C-3 de Fisiologia Humana na Graduação da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFAL. Além disso, lidera o Laboratório de Nutrição e Metabolismo (LANUM).
**Ana Débora Oliveira é nutricionista e, durante seu mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFAL, colaborou ativamente nesta pesquisa sob a orientação do Dr. Nassib Bezerra Bueno.
Referências:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2006-2023 : vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico : estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica do estado nutricional e consumo alimentar nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal entre 2006 e 2023 : estado nutricional e consumo alimentar [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. – Brasília : Ministério da Saúde, 2024.
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